Família crista nada tradicional

A história da humanidade é repleta de deuses e mitos. O deus Cronos ou Saturno na mitologia romana, devorava seus filhos por medo de que um deles lhe tirasse o trono. Retratado por Goya, a obra pertence ao Museu do Padro, em Madri. A crueldade do mito despertou a atenção do artista. Mitos são alegorias fantásticas, mas não são reais.

E a percepção das crenças muda com o passar do tempo. No passado nem tão remoto, a família tradicional se constituía de pai, mãe e filhos. Divórcio não existia e desquite transferia para a mulher a pecha de vadia, mesmo que o homem tivesse várias amantes. Pouco antes, mulher nem tinha voz, apanhava calada e saia muda. Viajar? Só com o consentimento do cônjuge. Votar? Não eram merecedoras. Aos poucos foram conquistando Direitos Humanos, que incluem o direito à liberdade, ao trabalho, à educação e à dignidade os quais, antes, de várias formas lhes era negado.

E hoje? Como se compõe a família tradicional? Somente de pai, mãe e filhos? E aquelas com pai, mãe, filhos, enteados, madrastas e padrastos pode ser considerada tradicional?  Ou mãe, mãe, enteados? Ou pai, pai, filhos? Família é aquela que acolhe, abriga, educa e ama.

E, podemos considerar tradicional se forem vários casamentos? E como fica “o que Deus uniu, ninguém o separe”?

Religião? Responsabilidade exclusiva da família. Nosso país é laico pela Constituição e, portanto, ninguém tem o direito de impor ou criticar qualquer religião. Sem falar que o Brasil é um país com sincretismo religioso.  Seja a pessoa católica, evangélica, budista ou umbandista é direito dela professar sua religião sem intervenção de quem quer que seja.  

Alguns são levados a questionar através de pressuposto cristão, mas Jesus não era preconceituoso, acolhia os pobres, as prostitutas e os desamparados, tampouco prometia dinheiro ou sucesso. Ele pregava a misericórdia e o perdão. Também não pregava a violência, então é contraditório alguém se afirmar cristão e usar a mão para legitimar a violência, quando deveria estar posta em súplica.

Discursos de ódio, preconceito, machismo, racismo, homofobia ou xenofobia ferem, maltratam e matam. Famílias que protegem e educam para o respeito ao próximo são o antídoto mais poderoso contra discursos de ódio, independente da configuração.

Arma contra as ditaduras

O sarcasmo é uma arma poderosa contra as ditaduras, sejam elas quais forem. A crítica bem humorada ou sarcástica não poupa classe social ou política, nem religiosa ou militar. Ele, o sarcasmo, é amplamente utilizado para demonstrar que não compactuar com a imposição de valores, é um direito inalienável do ser humano.

A escolha a ter opinião, a divergir e a reivindicar é intrínseca a democracia. Ao ser negado o direito a escolher livremente, o ser humano torna-se cativo, inferindo em uma contradição com os textos constitucionais democráticos.

Expor opiniões sarcásticas não exclui, entretanto, a reivindicação legal de reparação, que deveria ser o caminho trilhado quando a pretensa ofensa é percebida como inverídica ou difamatória. Não existe antinomia jurídica nesse ato.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Internacional de Chapultepec e a Declaração Americana Sobre Direitos Humanos, trazem, em teor, que todos têm direito à liberdade de pensamento e de expressão, assim como a “liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.”

Uma Democracia não pode ser imposta a força, contra a vontade de um povo. Para que ela se torne efetiva é necessário que haja consciência para poder optar, compreender as alternativas e poder expressar-se livremente. Sem isso, somos apenas seres humanos subjugados e dominados.

Não há heroísmo no ato de matar para calar. A voz daqueles que se calam se amplia no silêncio que segue. A arma mais poderosa incute tanto medo que precisa ser calada a qualquer custo. Não há heroísmo no sarcasmo dos textos e charges, há consciência e liberdade. Enquanto existirem homens dispostos a questionar e a não compactuar com a opressão, as vozes jamais serão subjugadas e oprimidas.