A demência da docência – Parte I

Pedi emprestado o título, o qual poderá se transformar em tese de mestrado, se minha colega de profissão resolver utilizá-lo, conforme costuma afirmar. Ela concedeu a permissão dizendo: – aqueles que ainda não são, logo estarão.

As ideias surgem assim, a partir de um comentário, uma conversa, uma leitura… E vão se desenvolvendo,  ganhando forma através da união de letrinhas, vírgulas e pontos. Ponto final, que pessoalmente acho meio controverso, porque ideias nunca terminam totalmente, ponto de interrogação, que amo de paixão, porque é pura curiosidade e tem aquele de exclamação que pode exprimir dores e amores, surpresas e decepções. Pontos de reticências…

Nessa caminhada, de ponto em ponto, unindo letras, se formam gerações e gerações, utilizando o bom e velho quadro negro e giz branco.  Ruim heim?! Tecnologia ultrapassada dirão alguns, mas que ainda cumpre bem seu papel, desde que o ajuntador de letrinhas saiba seguir o caminho da boa ortografia, pontuando aqui e ali, somando palavras em frases, sentenças e parágrafos coerentes, dando forma a hipóteses, fórmulas e problemas que despertarão a curiosidade exigida pelo ponto de interrogação e terminarão com um sonoro ponto de exclamação. Entendi! Aprendi! Descobri!

A educação precisa iniciar na base, assim como qualquer construção. E é na base que as crianças mais convivem com a troca de professores, é exatamente aí que as estagiárias substituem os regentes, algumas vezes com vantagem para os alunos, em outras nem tanto.

Essa é apenas uma situação, a qual poderia ser contornada se os estagiários trabalhassem sob supervisão constante do regente.  Dois professores em sala de aula possibilitaria detectar e auxiliar crianças com dificuldades.  Mesmo em um período de tempo relativamente curto, isso não seria possível? Olha aí a interrogação, sempre presente, levando a pensar…

Também na base não se permite frustrar, há anos que muitas escolas não mais reprovam nas séries iniciais, nem precisava o MEC editar uma resolução. As estatísticas ganham um adereço de veracidade subjugada a lógica dos indicadores, um tanto dúbia, porque não comprova o real desempenho.

A partir do quarto ano, a criança se depara com sucessivas repetências  já que não adquiriu as competências e habilidades necessárias na caminhada. A permissividade não lhe trouxe frustrações, como se o mundo fosse um lugar perfeito, no qual todos e tudo estarão a sua disposição, sem o mínimo esforço, mas colocou-a frente a frente com a dura realidade. Chegou despreparada  para a corrida e de pés descalços não dá para correr no asfalto quente.

A demência começa bem aí, na ausência da competência, seja ela de detectar ou sanar o problema, seja ela na ausência da prevenção ou na incompetência da ação.

Professor só apanhando mesmo…

O texto ganha novo parágrafo inicial. Publicado em março de 2011, tendo como tema as diversas formas de violência nas escolas. Não bastasse isso, agora um governante, escolhido pelo povo, permite o uso de violência contra os professores (abril/2015). O exemplo desse tipo de atitude é tão nefasto quanto aquele do pai que permite que a criança saia do mercado sem pagar o produto que consumiu durante as compras. As leis podem e devem mudar, mas aparentemente essas mudanças estão ocorrendo sobremaneira para aumentar impostos ou suprimir direitos. Nossos representantes nas casas legislativas deveriam começar reduzindo seus inúmeros benefícios. Altos salários, muitos assessores e nenhuma ação para diminuir esse custo, obviamente, pago com dinheiro público.

A violência nas escolas vira manchete diariamente, aqui ou acolá.  Situações que se repetem. Em geral falta percepção de risco*, mas um diretor resolveu dispensar os alunos após mais um episódio de violência. Ele só quer segurança, para os alunos e colegas. Muro pichado, pátio sem sombra, sem bancos, coberto de brita… um visual árido, que não inspira nem acalma. Localizada numa vila em São Leopoldo, reproduz a realidade de inúmeras escolas por esse Brasil afora. A atitude do diretor nem pode ser taxada de preventiva, mas “socorritiva”. A escola já havia solicitado segurança para o local. E os professores continuam lá. Será Masoquismo?

Sobre esse profissional pode-se dizer que:

Seu salário é inferior ao de qualquer outro curso superior

Sua carga horária é dupla face, na escola dá aula, em casa planeja e corrige.

Seus membros superiores sofrem de Ler.  Se for conservador e escrever muito no quadro negro ou se for futurista, usando o teclado ou o mouse ganha de quebra o adicional Ler (Lesão por Esforço Repetitivo).

Seus olhos de desgastam com a idade e tanto faz dizer que o nome é Presbiopia, o fato é que a vista cansa, o pescoço dói e o livro pesa.

Sua coluna e seus membros agradeceriam pela fisioterapia,  mas o difícil é cobrir a despesa,  já que esse profissional ganha mais em uma hora que o professor quatro.

Suas cordas vocais agradeceriam pela fonoaudiologia, mas esse profissional também ganha mais por uma hora que o professor com ensino superior.

Seu nível de estresse é elevado e resultante de uma soma de fatores: sono de menos, correria demais, insegurança, indisciplina e violência dentro ou fora de sala de aula.

Sua qualidade de vida é abaixo da média.

Seu sono dura 6 horas quando muito, chacoalha num transporte que deixa muito a desejar, permanece horas no trânsito e, depois, fica em pé, numa sala repleta de alunos e pó de giz, que respira em lufadas.

Seu local de trabalho, em geral, é falho na estrutura física.

Se isso não bastar, veja o que mais há de se considerar:

Qualquer metamorfose em vestido rosa, vestido para casamento FionaShrek, ou brother do big besteirol ganha grande destaque, mesmo sendo kafquiana distração.

Metamorfoseada em boa profissão, a propaganda vende uma ideia.  É a proposta para a falta de pretendentes ou para aqueles que já não tem grande pretensão.

Sabem que vão dar aula em escola pichada, quebrada, lotada, sucateada…

Professor só apanhando mesmo. Não aprende nunca e continua teimando em ensinar.

*https://amaieski.wordpress.com/2011/03/20/percepcao-de-risco-a-licao-que-os-gauchos-deveriam-aprender-com-o-povo-do-japao/